sexta-feira, 14 de novembro de 2014

A cebola

A vida é uma cebola. Às vezes a vida pode parecer uma melancia: enorme, quase infinita, com uma casca intragável, mas com um recheio refrescante, bastando dividi-la em partes. Mas não. A vida é uma só, não um punhado de partes paralelas. A vida não é enorme como uma melancia, é menor do que você imagina, mais semelhante à cebola. E a casca intragável não pertence só a uma parte dela, mas à vida toda. E quanto ao recheio? Às vezes parece que a parte ruim é só por hoje, mas logo que se for a casca, amanhã aparecerá do nada o recheio de sabor quase divino. Mas não. Se foi a casca de hoje, mas amanhã será só mais uma nova casca, exatamente como a casca de ontem. Ou não. Na verdade, a casca será levemente menor. E a outra menor ainda, restando cada vez menos coisas para se fazer com algo que já não era tão grande. Até que um dia você se dá conta que a sua esperança de descascar a cebola para encontrar algo diferente lá dentro não fazia nenhum sentido, já que não havia recheio algum, só havia cascas a serem descascadas uma a uma. Viver é o ato de descascar a cebola pensando haver algo bom lá dentro, mas paradoxalmente sabendo que a única coisa que você vai encontrar é outra casca, totalmente diferente da melancia que você imaginava. Então você se lembra de quantas lágrimas você já teve em função daquela cebola, mas também quantos prazeres e comidas gostosas esta mesma cebola já te proporcionou. E dá mais valor a cada casca, afinal ela não é tão intragável e inútil assim como a da melancia que você imaginou. E aproveita as poucas cascas que ainda lhe restam. Até a casca final.
Wesley Borges